NOTA PÚBLICA DA ANADEP CONTRA O CONVÊNIO CELEBRADO PELO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO COM A OAB/ES
As péssimas condições dos presídios no Estado do Espírito Santo trouxeram à tona um assunto de grande relevância para a sociedade e que não vem merecendo o tratamento adequado: a importância da Defensoria Pública e o direito constitucional de todo cidadão carente à assistência jurídica integral e gratuita.
A atuação da Defensoria Pública, além de constituir um direito de todo cidadão que não possa pagar por um advogado, representa um verdadeiro instrumento de pacificação social e prevenção de conflitos. Hoje, no entanto, a sociedade capixaba ainda não conta com uma Defensoria Pública forte e devidamente estruturada. De acordo com dados do Ministério da Justiça, menos da metade dos municípios do Estado contam com o serviço da Defensoria Pública, tendo em vista o reduzido número de 104 Defensores Públicos para atender à população.
A solução para esse problema é relativamente simples: concurso público para provimento das 35 vagas já existentes e abertura de novas vagas para preenchimento imediato por concurso. Parte dessa solução já foi autorizada pelo Governo do Estado e espera-se que ainda esse mês seja publicado o edital de um concurso para as 35 vagas de Defensor Público.
Porém, paralelamente a essa importante medida, um grande equívoco está sendo cometido. Trata-se da celebração pelo Estado do Espírito Santo e pela Defensoria Pública capixaba de um convênio, no valor de um milhão de reais, para prestação de serviços terceirizados de assistência judiciária.
O convênio foi celebrado no dia 28 de maio de 2009 com a OAB-ES e não prevê nenhum critério de seleção dos profissionais que terão a incumbência de atender à população. Esses profissionais serão remunerados por atos processuais.
Essa solução esbarra na Constituição Federal , que determina que a assistência jurídica integral e gratuita seja prestada pela Defensoria Pública, através de profissionais concursados e investidos de prerrogativas, garantias e responsabilidades legais que lhes asseguraram efetiva independência funcional e os meios para a plena defesa dos interesses de seus representados.
Esse modelo público é comprovadamente mais eficiente para o cidadão e mais econômico para os cofres públicos. No que tange à eficiência, além do processo de seleção através de concurso público, os defensores públicos podem atuar na educação em direitos, na orientação preventiva e na defesa extrajudicial ou coletiva de grupos de pessoas carentes. Além disso, o planejamento de ações, as políticas públicas formuladas pela Defensoria Pública e o atendimento em grande escala são fatores que diluem significativamente os custos por processo e por atendimento, valendo lembrar que um defensor público responde por uma grande quantidade de causas.
Para evitar o ajuizamento desnecessário de ações, a Defensoria Pública tem investido cada vez mais na busca de soluções não judiciais para os conflitos de interesse. Em muitos casos, os defensores públicos adotam métodos como a mediação e a conciliação para alcançar resultados mais efetivos e rápidos.
A formação de uma grande equipe de profissionais qualificados assegura um serviço de maior qualidade técnica e especializado em determinadas matérias, com a criação de núcleos especializados. Tome-se como exemplo o vizinho Estado do Rio de Janeiro, onde a Defensoria Pública está estruturada. Os defensores do núcleo do sistema penitenciário moveram ação judicial contra o Estado para desativar uma carceragem que se encontrava em péssimas condições. Diante da ausência de uma solução judicial em tempo adequado, a Defensoria Pública acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que deferiu uma ordem liminar determinando ao Estado Brasileiro uma solução para o problema.
Nada disso é possível através do modelo do convênio. Além de não prever nenhum critério para a seleção dos profissionais (basta estar regularmente inscrito na OAB), a remuneração por ato processual (conforme a tabela de honorários fixada) implicará em um gasto para o Estado muito mais elevado e um serviço de qualidade inferior para a população.
Não é a primeira vez que o Estado do Espírito Santo opta por deixar de abrir concurso público. Em 2000, foi editada uma lei que permitia a contratação de defensores públicos temporários em razão de urgência. Porém, o Supremo Tribunal Federal julgou a referida lei inconstitucional. Se o caminho trilhado naquela época fosse aquele determinado pela Constituição Federal , a Defensoria Pública capixaba certamente estaria em melhores condições e a população desfrutaria de um atendimento mais adequado e de maior abrangência.
É importante frisar que o convênio firmado pelo Governo do Espírito Santo tem prazo determinado (até dezembro de 2010) e caráter supletivo ao atendimento da Defensoria Pública. Não obstante, não constitui a opção política mais acertada para assegurar um atendimento jurídico de qualidade para a população. Os recursos destinados ao convênio poderiam, com facilidade, ser empregados na contratação de Defensores Públicos.
Sem dúvida, a abertura de concurso é prova de que o Estado do Espírito Santo não pretende repetir os erros do passado. Como já afirmou o Ministro Celso de Melo, do STF, a questão da Defensoria Pública, portanto, não pode (e não deve) ser tratada de maneira inconsequente, porque, de sua adequada organização e efetiva institucionalização, depende a proteção jurisdicional de milhões de pessoas carentes e desassistidas, que sofrem inaceitável processo de exclusão que as coloca, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas e sociais.
A Associação Nacional dos Defensores Públicos entende que a efetiva e eficiente estruturação da Defensoria Pública depende da suspensão da execução do convênio e do investimento desses vultosos recursos na contratação de mais defensores públicos, pois assistência jurídica integral, gratuita e de qualidade não é favor, mas direito de todo cidadão que dela necessita.
André Luis Machado de Castro
Presidente da ANADEP
Fonte: ANADEP
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